"Nos Xutos sou guerreiro, a solo sou diplomata"
As suas raízes notam-se mais no trabalho a solo?
Eu sou alentejano e vou muitas vezes para lá. Fui criado no meio das árvores e tenho essa noção de espaço. Vivi em Lisboa durante dez anos seguidos e os anteriores tinham sido em Almada. Essa noção de espaço ajuda-me a trabalhar este tipo de música. Tenho um estúdio caseiro que me ajuda muito, mas os Xutos & Pontapés também já ali estiveram a compor. Para mim, o que faz a diferença são as pessoas que tocam connosco.
Ao actuar perante milhares pessoas, sente a necessidade preservar um espaço mais íntimo?
Eu gosto muito de estar perante 40 mil pessoas e não me sinto pressionado para ter esse espaço. O que acontece é que tanto gosto de estar sozinho como perante multidões. Vou ser mais pragmático: nenhum artista gosta de tocar em salas vazias. Se houver lotação esgotada, tanto melhor. Já passei por um bocado de tudo, mas não sinto essa pressão de me recolher. Quando estou sozinho, aproveito para ouvir música. Viver no campo produz muitas viagens. Eu já viajo bastante por causa da profissão, mas como não estou em Lisboa há dez anos, tenho de vir cá muitas vezes. Isso sim dá-me muito tempo para pensar. Acontece-me imaginar um espectáculo inteiro durante a viagem.
São duas facetas?
Nos Xutos pego no baixo e gosto de tocar coisas bem ritmadas. Sou dos que puxa mais para as músicas mais "a abrir". Tenho sempre uma grande vontade de me "mandar para a frente". Fora dos Xutos, a minha maneira de tocar muda. Quando toco guitarra - que é o meu instrumento de raiz - abordo coisas mais calmas, mais dedilhadas. Isto vem de há muito tempo, mas revelou-se nos Xutos com canções como a Pequenina e a Manhã Submersa. No Rio Grande, o João Gil incentivou-me a explorar esta faceta. Embora me tivesse mantido no baixo, sempre me disseram que ali tinha outra forma de tocar. Aí, percebi que podia haver dois tipos de trabalho.
Em Companheiros de Aventura volta a rodear-se de uma série de amigos.
Sim, são pessoas que admiro e com quem era possível trabalhar. A base do negócio foi muito simples: eu aprendia duas músicas deles e eles uma música minha. Gerou-se um ambiente de troca de informação.
Um pouco como noutros projectos como a Resistência, o Rio Grande ou os Cabeças no Ar...
Sim, embora na Resistência estivesse presente uma ideia de "combate". No entanto, foi lá que eu aprendi uma coisa extraordinária: a música pode ser recuperada e trabalhada por outras pessoas. O universo é muito alargado e nós podemos fazer o que quisermos com o que já existe. Quando eu peguei na Noite, dos Sitiados, sabia que o original era deles mas eu gostava mesmo da canção. Os brasileiros têm muito isso mas os anglo--saxónicos também. Não há cão nem gato que não tenha uma versão. Por acaso, cheguei a colocar essa questão ao Jorge Palma. Eu perguntava-lhe se ele sabia tocar alguma canção dos Xutos e ele só me respondia Homem do Leme.
Como é que se consegue separar universos a solo e nos Xutos?
É simples. A maioria das canções dos Xutos nascem nos ensaios. A solo, a composição é individual. Com as palavras é que a questão é mais complexa. Há um certo tipo de letras que fora dos Xutos & Pontapés perdem força.
É um imaginário de combate...
É. Se nos Xutos sou guerreiro, a solo sou diplomata. Nos Xutos há uma "cena" concreta, a solo estou mais a ver o que se passa.
Como é que foi tocar com o seu filho mais velho Sebastião?
Ele tem 20 anos e é nosso roadie. Substitui o Fred (filho de Kalu, dos Xutos & Pontapés) quando ele não pode. Eu pus os meus filhos no Conservatório em Santarém porque lhes fazia bem à cabeça. Eles escolheram piano, mas aos 15 anos o Sebastião disse-me que gostava mesmo era de bateria. O primeiro concerto foi complicado porque eu tinha medo que corresse mal e não saber o que lhe dizer. Quando o pai ouve o filho, acho que está tudo bem ou tudo mal. Felizmente, todos os músicos o ajudaram. Nem foi preciso dar-lhe papéis para mostrar como é que se tocava.